domingo, 28 de fevereiro de 2010

o meu lugar, o lugar do outro e o não lugar.

não resisti. e piso em ovos porque estou entrando na esfera de @com_disfarce, mas tenho que falar sobre o não lugar.
Marc Augé, antropólogo, foi o responsável por cunhar essa nomenclatura. o não lugar é livre de qualquer identidade, não é histórico e nem relacional. estar num não lugar é optar, a grosso modo pelo não ser. porque você assume uma identidade quando encontra seu lugar no mundo. se você é gay, é muito fácil para você transitar na augusta, por exemplo, porque é um lugar relacional, histórico e remete à identidade gay. por apropriação. como o Castro em San Francisco. você apropria o lugar e ele passa a ser uma identidade também. o distrito da luz vermelha, ninguém precisa explicar o que é. é um lugar relacional. agora, na modernidade, o não lugar assume um também a ideia de que é um modus operandi de vida. um refúgio para aqueles que não encontram identidade em lugar algum. o não lugar em Maurice é o quarto. que se constitui como espaço de busca e discussão sobre uma identidade. Clive opta por um lugar convencional para a realização de seus sonhos profissionais. esse lugar convencional lhe possibilita a identidade necessária pra isso. é mais seguro, mas também castrador, ao passo que essa identidade não é realmente aquela que lhe condiz. é como se ele tivesse se travestido. enquanto Maurice opta por construir o seu lugar em referência a construir a si próprio e a existir no mundo dos lugares pré-determinados, desafiando-o.

a imitação do humano

a literatura é, antes de tudo, uma mímese da natureza que rodeia o humano e também a natureza humana. isso foi postulado por Aristóteles em sua Arte Poética e tem sido a base para os estudos literários. Forster foi um teórico da literatura e é daí que eu o conheço. foi ele que dissertou sobre a natureza das personagens, criando um novo eixo de análise: separou-as em planas e esféricas. analisando os tipos humanos e as pessoas com as quais topamos em nosso dia-a-dia fica fácil entender porque dessa classificação e também porque a esfera nos atrai mais do que o plano. vamos pensar assim: todo mundo consegue ver aquilo que está em um plano, é visível para todos. agora e dentro de uma esfera, alguém sabe o que tem dentro de uma esfera? é imprevisível até que você a parta e veja se ela é completamente cheia de isopor ou de algo que você olhe e diga UAU! Forster partiu dessa ideia de que nós podemos ser dotados de todas as previsibilidades possíveis ou de completas reviravoltas e deixa claro que aqueles que dão o tom são os capazes de reviravoltas. são os complexos. cheios de características psicológicas que ao invés de os delimitarem perante o leitor, criam mais e mais dúvidas: mas por que diabos eles agem assim, essas esferas que nos fazem tropeçar e inquirir sobre as coisas do mundo que queremos ignorar?
interessante notar como essa classificação é válida na vida real. temos tipos planos e esféricos que nos rodeiam. os previsíveis e os mistérios. dentro de Maurice dá pra ver bem essa divisão: Alec é um personagem esférico, apesar de ser um coadjuvante, Maurice pode ser colocado nessa classificação e Clive o que seria? fica aí minha pergunta. é sabido que o Forster, ele próprio homossexual, utilizou a narrativa para se posicionar. para estabelecer para si a própria história de sua vida, alguns dizem que Maurice é seu alter-ego.

Sobre o não lugar

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Diego Andia Carvalho

On Sunday 28th February 2010, @DiCarvalho said:

reply
Bom, sobre a teoria do 'não lugar' de maurice, acho que ele anula a si mesmo quando aceita estar neste 'não lugar'. Como na moda, existem 4 eixos de raciocínio pra definí-la. A moda como modus (comportamento), a moda como criatividade e expressão (roupa), as duas juntos e a não moda.

A não moda por sua vez é a mais interessante, pois ao mesmo tempo que tenta anular as três primeiras, ela inevitavelmente, assumo o papel das três, pois não há como sair deste círculo vicioso do comportamento. Vejamos os Amishes, que vivem uma repetição estética de si mesmos. São ecos estéticos. Não-lugares de não-lugares. Então eles se anulam, e concretizam aquilo que não deveriam por pressuposto. Se tornam 'sim-lugares'. etc.rs..

Eu acho que a homossexualidade no geral, e a descrita no livro, vem a ser isso. Mesmo estando em não-lugares físicos, o nosso não-lugar psico-emotivo anula qualquer problema de ambientação ou aceitação, transformando o que é, por hora, errado em certo. Mesmo quando a melhor opção no livro fosse a fuga, isso na verdade é uma grande mentira, porque o mundo é grande "não-lugar", pq não é visto por uma sociedade e sim por indivíduos singulares, que formam uma sociedade. O problema iria andar de mãos-dada em qualquer lugares que estivessem.

Negando esse não lugar, o amor se concretiza, pq não há mais espaço pros ecos, pra repetições, pros modus tomarem forma.

Ele finalmente aceita!
Aquilo que o publico realmente abomina na homossexulidade não é a coisa em si, mas o fato de ser obrigado a pensar nela " by E. M. Forster

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Replies II

 

Verônica

On Friday 26th February 2010, @sampsycho said:
(In reply to AndreV_)

reply
@AndreV_ acho q o desconforto dos dois pode ser comparado ao desconforto do Enis e do quanto ele parecia aturdido com o fato de Jack estar mais à vontade com quem é. a verdade é essa. em algum momento não estamos à vontade com quem somos. uma das lutas é essa e eu vejo isso em Clive. passada essa fase, vem a luta pra pertencer a essa sociedade aí e é nesse momento q o Clive desmonta, pq não consegue ver saída do gueto, do quarto que Maurice escolheu.e pesa qual desconforto é menor.

 

 

Andre V

On Friday 26th February 2010, @AndreV_ said:
(In reply to sampsycho)

reply
@sampsycho Eu pensei muito no Ennis e no Jack também. Tanto que reli o conto. Tanto Jack quanto Maurice ficam a merce dos outros. Maurice vai mudando de opiniao a medida que troca de amante. Pq eu sou bem mais Ennis/Clive que gostaria de admitir. E todo mundo acha o jack bonito e gostoso. mas ele e um tonto. Assim como Maurice. Quem carrega o fardo de decidir o que fazer e Ennis e Clive. E ninguem gosta de ter que carregar o piano. Clive toma a iniciativa de dizer de que ama e chutar o pau da barraca numa situação ja consolidada. E o Ennis e quem da as diretrizes de como vai ser o negocio. No fim ambos se fodem mais. por conta disso. Ennis urra e vomita de tanta dor. mas aguenta calado. Clive se cala, se enterra numa vida mediocre que sempre desprezou mais nao foge ao compromisso. Fica facil pra maurice e Jack quando nao sao eles quem tem que fazer os sacrificios. Já viu neam ? eu vou sempre roubar pros ennis e clives da vida. (L) 

Verônica

On Friday 26th February 2010, @sampsycho said:
(In reply to AndreV_)

reply
@AndreV_ eu não entendo esse fica fácil. pq eu creio que todos somos interdependentes. a sua escolha excluí a minha, faz com q eu modifique o meu caminho a sua escolha. e quando a gente ama entra nessa de pedestaltismo, colocamos o outro no comando não pq nos exímimos de decidir, mas sim pq queremos dar ao outro o poder sobre nós, isso é, na cabeça de muitos tortos aí, uma prova de amor.o maurice vai mudando com a troca de namorados, pq ele não tem *O* namorado. Ennis toma a decisão que de certa forma excluí Jack, que dá uma pirada. não estou defendendo jacks e clives, maurice e ennis. estou dizendo q as escolhas foderam com todo mundo, independente de quem as tomou. e acho q as escolhas aspiram a essa adequação torta que todos insistimos em ter. 

Andre V

On Friday 26th February 2010, @AndreV_ said:
(In reply to sampsycho)

reply
@sampsycho Entendo bastante o seu ponto. no fim todo mundo se fode. pq a gente fica tentando estabelecer um equilibrio que nao existe. e sempre mais facil pros mais livres [ maurice e jack ] seguirem aqueles que estao mais presos. A minha pergunta é: quem seria "o" namorado do Maurice ? [ ou o meu, ou o seu ] pq ele nao sabe [ tampouco eu ] como seria tal pessoa. e o que ela teria que fazer na pratica pra que eu soubesse que chegou o momento. Maurice e clive vao tateando essas possibilidades no escuro. Pro ennis e pro jack simplesmente acontece. sem ninguem esperar. E a gente nem consegue pensar direito no Alec. De onde vem aquela coragem e destemor pra invadir janelas e pular fora de navios. E a gente se resigna que tal coisa nao acontece. e acaba por nunca acontecer mesmo. 


Verônica

On Friday 26th February 2010, @sampsycho said:
(In reply to AndreV_)

reply
@AndreV_ eu acho q *o* namorado do maurice é o clive, ou pelo menos a ideia q ele faz do clive. *o* seu namorado é a sua ex, travestida de homem. *o* meu namorado, talvez seja meu ex, travestido de mulher. acontece q as nossas relações são pautadas por quem nos despertou o maior amor. por quem nos fez nos reconhecer, para bem ou para mal. principalmente no nosso caso, se vc me entende. é isso que me irrita. pq essas possibilidades não existem. e eu quero mesmo *o/a* namorad*a/o*. 


Andre V

On Friday 26th February 2010, @AndreV_ said:
(In reply to sampsycho)

reply
@sampsycho e pq vc nao pode ficar com o seu ex e eu com a minha ex se é isso que no fundo a gente quer ? é isso que eu nao entendo [ sugiro troca, loiros de olhos azuis me apetecem ] 



@AndreV_ porque há as escolhas e em determinado momento deixamos de escolhê-los. como o clive deixou de escolher o maurice.

Replies

Verônica

On Friday 26th February 2010, @sampsycho said:
(In reply to AndreV_)

reply
@AndreV_ a sensação de não lugar é permanente em muitas pessoas, gays ou não. qdo eu era casada com meu ex, sofri muito preconceito, por ele ser loiro, alto, de olhos azuis e eu baixota, gordota e 4 olhos. nunca q em nossa sociedade eu poderia me unir e procriar com ele. e cheguei a ser apontada na rua por isso. obviamente que eu nem posso traçar analogia, pq para andar de mãos dadas com uma menina, eu preciso me enfiar em guetos. lembro-me de uma vez, em que eu e uma ex-namorada descemos a escada principal de um shopping de mãos bem dadas. *o escândalo*, vários casais homo são frequentemente barrados e cerceados no shopping frei caneca aqui em são paulo. o que, ao meu ver, indica que nem o básico de um relacionamento os gays devem mostrar em público, eles não têm o direito de imitar "algo tão destinado aos hétero" qto andar de mãos dadas e beijar em público. imagina imitar toda a estrutura calcada numa ideia primeiramente reliosa? o não lugar se manifesta a todo momento, inclusive na mente deles (maurice e clive), pq a mímese q eles procuram fazer dessa natureza q os rodeia fica impossível no momento em q todos apontam q a natureza deles é antinatural.

 

 

Andre V

On Friday 26th February 2010, @AndreV_ said:
(In reply to sampsycho)

reply
@sampsycho Então. Muito do descompasso deles [ clive & maurice ] e nosso [ os antinaturais, quer gays quer nao ] esta nesse paradoxo. A gente sente esse peso duplicado. Que é o desconforto com nos mesmos e com o mundo a nossa volta. Eu fico tentando nao pensar obviedades mas é incontornavel isso. a gente sofre mais que todo mundo. a verdade é essa.

Sobre ontem a noite

Andre V

On Friday 26th February 2010, @AndreV_ said:

reply
Pra @sampyscho @com_disfarce @fullgiu @samcunha @ludelfuego uma [ dentre as inumeras ] coisa que me chamou a atenção no livro e a questao do "nao-lugar " onde o amor dos dois se concretiza. quando maurice vai pela primeira vez na casa do clive este escolhe um quarto mais afastado e justifica " e o mais proximo da faculdade que eu consegui arranjar " tipos. Uma brokeback mountain. e a luta deles e se manter nesse lugar afastado e longe de julgamentos onde " ocupavam-se de uma paixao que poucas mentes inglesas jamais admitiram, de modo que podia ser criada sem entraves". E eles [ assim como nos ] falham terrivelmente nesse proposito. pq essa paixao passa a ser criada nos moldes falidos e bichados da heterosexualidade vigente. E dai uma coisa que deveria ser contruida a parte se contamina com os moldes mais nocivos e perniciosos de uma estrutura e de juizo moral que nos nega a total existencia. e muito do desconforto e da estranheza do modo gay de ser vem dai a meu ver. Dessa esquizofrenia. De estabelecer relações baseados num modo que nao se mantem de pe muito bem, com o onus de nao ser aceito por esse mesmo sistema torto que nos mesmos abraçamos [ simplesmente pq nunca houve um sistema diferente do atual] vcs todas sao sabidas e eu espero que sejam pacientes. pq obvio que tudo isso que eu disse ja foi pensado e falado por gente com mais conhecimento de causa. Pq a gente fica querendo se legitimar [ casando, adotando filhos, criando familias ] esperando as benesses de uma sociedade que obviamente nao nós quer. E a gente tampouco consegue escrever essa nova paixao sem entraves, criando algo novo e inesperado. Pq ?

Epilogo

Maurice talvez escape. E M. Forster, Setembro de 1960.