quinta-feira, 22 de abril de 2010

Da carta.

Senhor Maurice. Querido Senhor.

Esperei duas noites na casa de barcos. Disse  a casa de barcos, porque tinham levado a escada e no bosque é úmido demais pra deitar. Por isso por favor venha para a casa de barcos amanhã à noite, ou na outra, fale para os outros cavalheiros que quer dar uma volta, o que é fácil, e venha para a casa de barcos. Querido, vamos nos unir uma vez mais antes que eu abandone a velha inglaterra, se nao for pedir muito. Desde o jogo de criquete  quero muito falar com o senhor, quero segurar o senhor com um dos meus braços, depois com dois, para nos unirmos; o que escrevi agora parece mais doce do que as palavras podem dizer. Sei muito bem que sou apenas um criado e nunca me aproveitaria de sua bondade afetuosa para tomar liberdades ou qualquer outra coisa. 

                                                                                           Respeitosamente seu,




                                                                                           A. Scudder.






Eu gosto demais desta carta. Porque ela fala tanto da pessoa Scudder. Dos seus sonhos. Das suas aspirações. Da pessoa pratica acostumada a pensar em soluções para os outros. Da fome de carinho, afeição e ternura que ele expressa em frases diretas e desprovidas de melosidade. Penso que Scudder é uma aspiração do proprio Forster. O cavaleiro branco que o salvaria de uma vida de solidão. Não sabemos que tipo de agonia Scudder sofre. Sabemos que ele é o mais corajoso e destemido dos três. A pessoa que não tem medo de arriscar. Ele tem esse misto de timidez, malicia, ingenuidade, sonho e ousadia. Quem é esse Scudder que invade janelas e salta de navios ? Nunca saberemos ao certo. Só sabemos que eles causam estragos.

sábado, 17 de abril de 2010

O QUE VOCÊ TEM A PERDER ?





Não queria que esse fosse um post de um hetero sobre um livro com “temática homo”. Mas, porém. Ele é. Veja aí a primeira frase:“temática homo”. Por mais que me esforce, meu olhar sobre Maurice é um olhar de hetero. Um olhar “de fora”. Sujeito a distorções e a não percepção de nuances que não fazem parte do meu arcabouço imaginário. Mas enfim, aí vamos nós. Vou correr o risco.
Tento imaginar como é gostar de alguém e não poder dar a mão na rua, não poder dizer que ama, não poder ir ao cinema, ao restaurante, à academia, ao clube, ao jogo de futebol, à balada. Tento imaginar olhares lançados sendo interrompidos pelo medo do desprezo, e, pior: tento sentir os olhares de desprezo. Imagino como é sentir amor, sentir tesão, sentir desejo, e ser obrigado a usar em todas as relações uma régua onde cada centímetro vale um quilômetro. A distância que separa as possibilidades de concretização tendem a ser maiores, já que a trena da moral tem marcações muito mais largas quando se está fora da norma. As normas. Os códigos.
Maurice por muito tempo parece confuso. Mas a confusão maior está em Clive. Porque Maurice permanece em conflito. Clive é a desistência. Maurice está em conflito, Clive entra na conformidade. Gosto de pensar que a confusão está, na verdade, no gesto de se conformar. O conflito não é confusão. O conflito é a busca e, se se está em busca, qual é mesmo a confusão? A conformidade é a aceitação de que a confusão está instalada e é melhor deixá-la ali escondidinha, já que o eu-social quer sempre o não-conflito.
Mas percebi em Clive e Maurice alguma coisa que pode ser transposta para qualquer relacionamento. O eterno jogo do perde-e-ganha. O eterno descompasso, mesmo entre os aparentemente afinados. Nas relações hetero, que não são livres de preconceitos – negro-branco, gordo-magro, jovem-velho, rico-pobre - o descompasso acaba fazendo um vencedor aos olhos de quem questiona. A diferença é que Maurice e Clive e quase todo mundo que vive os dilemas particulares de Maurice e Clive são obrigados a fazer do eu-social algo que mata o eu-eu, e isso faz dessas relações, na verdade, um jogo de perde-e-perde. Não há empate. E não há vencedores. Há perdedores, sempre. Porque a moral vigente esmaga as vitórias conquistadas mesmo em ambientes livres, os não-lugares que alguém já citou aqui. Porque o não-lugar é sempre menor que o lugar. A moral derrota em cada olhar de reprovação lançado sobre os envolvidos. Em cada riso disfarçado. Em cada toque de mão evitado, em cada  piada sobre a parada gay.
Então, consegui ver em Maurice um pouco do que é viver isso. Um pouco. Uma pequena amostra. Do que é a angústia, a solidão, o sentimento de inadequação, a luta permanente do eu-eu contra o eu-social. Que normalmente vence, seja em qual for o tipo de relação. O eu-eu de Clive perdeu a luta para o eu-social. A família, a moral vigente, a posição na sociedade. São forças extremamente poderosas, e não é qualquer Clive que as supera.
E Clives existem aos montes por aí.
Sim, tem Scudder. Mas isso é para outro post.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Do Camuflar




Eu não consigo criticar a postura do Eduardo. Eu vejo esse sorriso bonito, essa esperança que quase o tira do chão, esse otimismo de quem finalmente acha que encontrou uma saida e eu acabo ficando somente muito triste por ele. Por mim. Por nós. Vejam o que fazem conosco. Vejam como brincam com os nossos sonhos, as nossas dores, as nossas lagrimas.Crente é bem filho da puta, vamos combinar. A percepção que os "cristãos" tem da homossexualidade foi lapidada pelo evangelista Paulo. Na carta que ele escreveu aos Romanos. Acredite os atuais crentes conseguem ser BEM mais obtusos. Dai e compreensível que o jovem, belo e indefeso Eduardo faça das tripas coração para escapulir dessa sina. Vale qualquer negocio. Só que não informaram para o Eduardo que ele se sentia tal mal consigo não porque fosse gay, mas por que para algumas pessoas viver é infinitamente mais complicado do que pra outras. A sexualidade de ninguém muda, assim como se muda a cor dos olhos. Mas tem pessoas que vivem uma vida inteira com lentes coloridas e ninguém se da conta. Eu acredito que o Eduardo possa sim viver bem e feliz consigo, não o tempo todo, mas a maior parte do tempo sublimando a sua questão sexual.Ele só quer ser deixado em paz. Eu entendo demais isso. Por isso sou contra patrulha, outing forçada e coisas assim. Se o Eduardo acha que deixou de ser gay quem sou eu pra dizer qualquer coisa ao contrario ? Só ele sabe o calor do inferno em que ele tava metido. Eu to numas de filtrar toda e qualquer questão sobre sexualidade gay através de Maurice. Desculpa todo mundo. Virou parâmetro. Sempre tento encaixar. E dai eu percebo que o tempo avançou. A sociedade mudou é agora o coitado do Clive se chama Eduardo é espera que uma esposa cristã o defenda da possibilidade de surgir um Maurice das sombras.


O video é antigo. Vi hoje via @Cleycianne. A paquita de Jesus.

PS.: Tudo o que o Eduardo fala das coisas negativas do mundo gay está textualmente escrito na passagem citada de Romanos. Sem tirar nem por.