quarta-feira, 24 de março de 2010

Do Viver a Espreita.




"Quer dizer, estava lá durante toda aquela chuva infernal ? "
"Sim... estava lá vigiando ... Ah, não é nada, a gente precisa vigiar não é ?"

pag 200 A primeira conversa intima de Alec e Maurice


Maurice - E. M Forster - Londres - 1910
Cores Proibidas - Yukio Mishima - Tokio - 1950
Labirinto de Paixões - Pedro Almodovar - Madrid - 1980
Angels in America - Mike Nichols - Nova York - 1985

Quatro obras com  realidades distintas. Quatro abordagens diferentes. Duas coisas em comum  entre elas. O Tema [ homossexualidade ] e um pequeno recorte  solto praticamente  a esmo no meio de tanto a coisa a observar. A eterna VIGILÂNCIA.  A busca por elementos iguais numa paisagem em em que reza a lenda teriamos que passar despercebidos.

Homossexualidade não deixa sinal na testa. Procurar essa "centelha" de identificação passa a ser uma segunda natureza. Dai um dos primeiros sinais que se observa ao procurar um gay na multidão é um olhar a espreita.

No primeiro encontro de Maurice com Clive, Forster escreve:

"O meu também" disse Durham, olhando-o nos olhos. Por hábito Maurice teria desviado o olhar, mas manteve-o firme desta vez "

Exatamente o que Maurice temia ao habitualmente desviar o olhar ?

E porque desta vez ele nao se furtou ao escrutínio de um outro olhar inquiridor ?


Maurice temia ser descoberto. Medo que o seu interior tumultuado e turbulento escapulisse a uma sondagem mais apurada. Por que a construção de uma identidade gay passa por esse terror. " E se alguém descobre ?" Dai essa vigilância se torna redobrada. E um tanto esquizofrênica. porque você precisa esmiuçar o exterior a cata de elementos iguais. E por tabela precisa se vigiar pra não direcionar o seu olhar pra locais onde ele não é desejado. E que talvez as pessoas erradas "descubram" o seu segredo. Sentiram o drama né ?

Maurice não recuou porque chega uma hora que você precisa arriscar. Ele não tinha uma ideia muito claro do que encontraria ao ir até o quarto de Risley [ onde ele se depara com Clive pela primeira vez ] mas ele estava em busca de algo. 

Forster que é um romancista excepcional, nunca nos deixa de fornecer elementos que comprovem que o interior de  Maurice [ ou o dele próprio, ou o meu é o seu ] é uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer momento. Maurice sempre está com os nervos em frangalhos. 1910 amigos. Parada gay ainda não existia. 


segunda-feira, 8 de março de 2010

Fora do lugar, dentro do assunto.

Eu sei que o tema do blog é o livro Maurice.

Sei também que temos mais exemplos de homofobia pra citar que dedos nas mãos.

Mas foi um papo tão exemplificador. Da mistura de conceitos e preconceitos que cercam o tema. 

Dois rapazes, uma moça. Conversam no onibus. Os assuntos de sempre: academia, substâncias ilegais pra ganhar massa muscular conseguidas com o tio farmaceutico, micaretas, ivete sangalo. Enfim. A juventude dourada da nossa classe media veia de guerra. Faltou  dois temas recorrentes. Verão e balada. opa !! apareceu. Um dos moços tinha um caso pra narrar. De uma festa. infestada de viados, que ele foi sem  saber. Os outros dois concordam enfaticamente " tá impossivel sair sem ver essas coisas nojentas acontecendo"

Dai a moça começou a narrar do HORRIVEL caso que aconteceu na faculdade dela. De uma menina recem chegada, toda patricinha, altos gata. que a homarada toda tentou catar. e a menina nada. Dai um dos rapazes viu essa menina aos beijos com outra menina da mesma sala. Foi um Deus nos acuda. A homarada indignada tomou providencia e um sms anonimo chegou no telefone da mae. Que foi na faculdade fez o maior escarcéu  e tirou  filha de la. Todo mundo vingado, pra espanto geral as duas moças seguem o namoro e aparecem nos eventos sempre juntas de maos dadas. Pra verdade horror da moça do onibus: " eu não tenho nada contra, mas pela amor de Deus um pouco de respeito. Ninguem precisa ver essa coisa hedionda de duas mulheres se alisando em publicos, meus amigos [ a gente fina que dedurou a moça pra mãe ] ficam constrangidissimos com tudo aquilo ".
Um dos rapazes [ namorado da moça presumo ] Diz pro outro o quanto a moça e linda e gostosa, " impossivel ser sapatão " a moça completa indignadissima " quando ela chegou na faculdade eu abri os braços pra ela, fizemos trabalho juntas, até na minha casa ela foi. Imagina se a minha mae descobre que ela era sapatão ? "

Dai o outro rapaz [ que presumo, dirige um transporte escolar ] conta que "eles"  estao virando gays cada vez mais cedo. Inclusive um dos garotos que ele transporta fez um escandalo pq ele colocou funk no transporte escolar. dai ele esta esperando o pai do garoto ligar reclamando pra ele poder insinuar que o garoto nao gosta de funk pq e uma bichinha. Os tres riem.


Como eles sao universitarios e nao pega bem declarar homofobia em alto e bom som o papo muda e eles começam a dizer que adoram gays, mas que eles deveriam saber se comportar melhor. " Veja o serginho do BBB, é uma pessoa alegrissima, alto astral, adoro ele "   - a moça diz. Os rapazes completam Dizendo que nao tem nada contra " logico que nao temos, imagina " mas nao acham normal essa afetação toda. " eles deveriam ser um pouco mais homens " Os três concordam. 

Veja vcs que era um conversa cotidiana. Entre amigos. Normalissimo achar nojento ver duas moças de mao dadas. Normalissimo hostilizar um garoto de 13 anos meio afetado. Normalissimo achar o fim do mundo que sua mae quase descobriu que vc fez amizade com uma sapatão. Banal.
Como disse Hannah Arendt a banalidade do mal.